quarta-feira, 23 de março de 2016

Revisitando Ofélia


Hamlet: Ha? Ha? És honesta?
 Ofélia: Milorde?
 Hamlet: És bela?
 Ofélia: Que quer dizer vossa alteza?
 Hamlet: Que se fores honesta e bela, tua honestidade não deveria admitir discurso algum a tua beleza.
 Ofélia: Poderia a beleza, milorde, ter melhor comércio do que com a honestidade?
 Hamlet: Sim, é vero, pois o poder da beleza transforma antes a honestidade do que ela é em uma cafetina do que a força da honestidade pode traduzir a beleza a seu contento; isso foi outrora um paradoxo, mas agora o tempo o comprova. Eu a amei uma vez.
 Ofélia: De fato, milorde, fizeste-me acreditar nisso.
 Hamlet: Não devias ter acreditado em mim, pois a virtude não pode assim inocular nosso velho rebanho, mas nós nos aproveitamos dele: eu não te amava.
 Ofélia: Eu estava mui enganada.


.Hamlet, ato III; cena I - William Shakespeare.
John Everett Millais, Ophelia (1851)


Ofélia, Ofélia
Quem foi ela?
Ninguém pôde dizer
Nem mesmo a doce Ofélia


Diziam alguns que era ninfa
Outros, que era donzela
Mas Ofélia nunca pode
Ela mesma dizer quem era


E no coração de Ofélia,
Como saber
o que se apertava?
Se dos pensamentos 
pensados por ela
As asas eram cortadas?


Sucumbiu ao desespero
Que pouco a pouco apossou-se d’ela
Do amor herdou a loucura
A solidão e a quimera


Ofélia, Ofélia
Não mais suportando tanta mazela
Entregou-se ao rio
Ou foi o rio
Que abraçou 
Ofélia?

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Para embalar o mergulho:

https://youtu.be/aR63EEzYeCo



quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Dialética da carne

"Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel"

.Hilda Hilst.





Ato 1



Passo os dias te buscando em entrelinhas
Tentando te alcançar na poeira dos teus passos
Lentos e pesados
 que me mantém presa a ti se te afastas
Quando doemos um ao outro
Entre espinhos do jardim que nós mesmos cultivamos



Ato 2



Me acendes em luzes de neon
E fogos de artíficio
Com tuas mãos em brasas,
Me dominas em tuas garras
 Onde me deixo lânguida
Na entrega urgente de uma fome que não passa
De uma sede que não se sacia aos goles
Em pequenas mortes
Prelúdios da eternidade em frações de segundos.





quinta-feira, 18 de junho de 2015

Grotesque - O anticristo da fotografia

"There is nothing new except what is forgotten."
 
.Mademoiselle Bertin.


 
William Mortensen- Taken In West of Zanzibar , 1928

 William Mortensen  (1897 - 1965) foi um dos mais conceituados fotógrafos americanos durante a década de 30. Todavia, seus temas voltados para o selvagem, grotesto e erótico, somados as suas técnicas que envolviam colagem, ilustração e manipulação de negativos o fizeram por fim cair no esquecimento histórico. 

Com a chegada da modernidade a fotografia passa a assumir um caráter mais purista com o surgimento de lentes mais rápidas e precisas e todo um aparato tecnológico, distanciando-se, propositalmente, das demais artes plásticas. Por sua orientação pictorialista, William passou de conceituado fotógrafo a inimigo número um, sendo apelidado pelo principal defensor do purismo, Ansel Adams, de anticristo. Mas para William o fotógrafo deveria buscar harmonizar conhecimentos técnicos e criatividade artística, o que em sua opinião, poucos de sua época conseguiram.

Profundamente interessado em temas reprimidos pela sociedade de sua época, buscava através da exibição de imagens-conceito ativar aspectos arquetípicos inconscientes nos observadores, principalmente em relação a temas tabu, como tortura, corpos dilacerados, morte, sexo e agressividade. 


 
William Mortensen, The Heretic

 
William Mortensen, The Vampire 
"...some have suggested that the fear of death is the basic motive of all art, driving men to to try to immortalize a little of themselves in material more enduring then the flesh..." -- Mortensen


 
William Mortensen, Death of Hypatia


 
William Mortensen, Nude with Peacock


 
William Mortensen, Preparation for the Sabbot 
"Herein lies the reason for the equivocal effect of grotesque art on many people: the material is unfamiliar, and, by ordinary standards, unpleasant: yet it calls forth a deep instinctive response. Thus they are torn between repulsion and attraction..." -- Mortensen

 
William Mortensen -Obsession, 1930

William Mortensen- Taken In West of Zanzibar , 1928


William Mortensen - Salomé


William Mortensen - Nude with Demon



terça-feira, 9 de junho de 2015

Silêncio

 "As sereias entretanto têm uma arma ainda mais terrível que o canto: o seu silêncio.

.Franz Kafka.










Eu, sereia mitológica de tempos imemoriais
De mares bravios e reais
A mim coube, por destino ou escolha
Desbravar as profundezas, recôndidos e abismos
Solitária, desgarrada do bando
Voltei-me contra os deuses e seus desmandos
Neguei a efemeridade do canto-armadilha
E quis minhas escamas quentes e macias


Eu, sereia arquetípica anacrônica
Me alimento da verdade velada
Não da frivolidade amarga
De uma trova qualquer, em um porto ou outro encenada
Minhas águas são sempre agitadas
E não me interessa o encantamento que mente
Prefiro a negação do descrente
Que não se deixa enganar


Eu, sereia anárquica encarnada
Meus domínios são os mares do inconsciente
Para onde te levo enquanto te chamo, te atraio   
Mergulho no escuro do desconhecido
Busco um tesouro escondido
Que nunca foi encontrado